Tragédia não é fatalidade

“A vida dentro de nós tem uma imensa força de superação.
As tragédias serão superadas e o riso renascerá depois das lágrimas.”

(Rev. Melissa Bowers)

Sábado, 23 de janeiro, cidade de Cananéia, litoral sul de São Paulo. Um barco chamado Pérola Negra, com 21 pessoas, regressava de um passeio turístico quando naufragou, vitimando uma mulher e seu filho, de apenas quatro anos de idade.

Após o acidente, o piloto declarou à mídia que os passageiros se assustaram com o movimento das ondas, concentrando-se em apenas um lado da embarcação, desestabilizando-a e fazendo com que ele perdesse o controle, levando ao adornamento. Mentira!

Posso assegurar isso porque, exceção feita a um único casal, todos os demais ocupantes eram meus amigos. Inclusive eu e minha família não estávamos presentes por força do destino. Quase todas as mulheres e crianças adormeciam em uma área coberta do barco, de modo que é absolutamente improcedente esta argumentação.

O fato é que o piloto trafegava em velocidade incompatível com as condições do mar naquele momento. O barco, ao cortar uma onda mais elevada, descolou-se da água, inclinando no ar e naufragando. Metade dos passageiros foram lançados imediatamente ao mar enquanto os demais ficaram submersos por cerca de 20 minutos.

Há muitas lições que precisam ser extraídas deste episódio. Do contrário, em algumas semanas o ocorrido cairá no esquecimento, exceção feita àqueles diretamente envolvidos nesta tragédia.

Primeiro, é necessário que sejam definidos procedimentos básicos de segurança. Eu desafio você a visitar qualquer região costeira do litoral brasileiro e contratar o serviço de transporte em uma embarcação qualquer. Em nenhum momento o agente que faz a comercialização do serviço, a equipe de apoio em terra ou o piloto irão exigir a colocação de um colete salva-vidas. Aliás, os coletes sequer serão oferecidos sob o argumento de que estão disponíveis. Errado. Eles deveriam ser vestidos em todos os passageiros antes do embarque, observando-se o tamanho adequado à idade e perfil de cada tripulante. E quem manifestar resistência à sua utilização simplesmente não deveria embarcar!

É o mesmo princípio vigente no transporte aéreo. Se um passageiro não afivelar o cinto de segurança, travar a mesinha e retornar o encosto da poltrona para a posição vertical, um comissário tem autonomia para interromper a decolagem e proceder ao desembarque deste passageiro antes de retomar o voo.

Segundo, faltam orientações. É evidente que todos estão em estado de euforia, com a intenção de desfrutar do passeio. Mas os passageiros precisam ser informados sobre como proceder diante de situações diversas: uma chuva torrencial, um mar revolto, uma eventual colisão, um naufrágio…

Terceiro, não há infraestrutura. É indispensável em uma região turística a alocação de uma equipe de apoio para dar suporte em caso de incidentes. Um mergulhador minimamente treinado e equipado teria conseguido salvar as duas vidas perdidas.

Quarto, sobra prepotência e autoconfiança. O piloto em Cananéia declara ter mais de quinze anos de experiência. Infelizmente isso não é reconfortante, pois em dez anos atuando na área de segurança do trabalho observei que a maioria dos acidentes atinge profissionais com mais tempo de empresa. Isso acontece porque os novatos, devido à falta de experiência, são mais respeitosos e zelosos em relação a normas e procedimentos, pois além do desconhecimento ainda há o risco de uma demissão. Já os experts acham que sabem tudo, que dominam tudo, que podem tudo e que nada de errado irá lhes acontecer.

Quinto, falta fiscalização. Há relatos de que a Capitania dos Portos não visita aquela região há meses. Estamos em um país burocrático, repleto de leis, mas as que deveriam existir e ser seguidas são ignoradas e desrespeitadas. Não basta o barco ter seguro e documentação em dia: deve-se obedecer a procedimentos tais como os sugeridos acima. Como nossa sociedade respeita apenas o bolso, a solução é impingir multas elevadas em caso de negligência e desobediência.

Há outros temas que poderíamos abordar. Mas é imprescindível, em respeito à memória das duas vítimas e de sua família, que esta catástrofe sirva ao menos para evitar ocorrências similares no futuro. Tratar o ocorrido como fatalidade é uma imprudência. Uma fatalidade pode ser trágica, mas uma tragédia não precisa ser fatal.

Adendo 1: O hábito de manter coletes salva-vidas no piso da embarcação, além de contraproducente, foi um fator agravante no caso de Cananéia, pois eles ficaram boiando e reduzindo o espaço disponível para as pessoas que estavam submersas, dificultando a já comprometida respiração.

Adendo 2: Deve haver prévia orientação para, em caso de submersão, os coletes vestidos serem retirados, pois nesta situação será necessário mergulhar para sair do espaço confinado. Por isso, alguns podem argumentar pela não-obrigatoriedade do uso do colete. Fazendo uma analogia com automóveis, já houve óbito de pessoas que não conseguiram desconectar o cinto para sair do veículo em caso de um incêndio, por exemplo. Mas isso não justifica defender o não-uso do cinto de segurança.

Data de publicação: 26/01/2016
Tom_Coelho

Tempo perdido

* por Tom Coelho

 

“Todos os dias, quando acordo,

não tenho mais o tempo que passou.”

(Renato Russo)

 

 

O que você pode fazer em duas horas? Assistir a um filme no cinema ou no conforto de seu lar. Apreciar um show ou um espetáculo teatral. Ler muitas páginas de um livro. Desfrutar da companhia de amigos ou familiares. Ou então, ficar preso no trânsito tentando regressar à sua residência após um dia de trabalho…

 

Dirigir pode ser um ato prazeroso. Uma oportunidade para conhecer novos lugares, observar paisagens, ouvir boa música, ter um diálogo agradável com quem lhe acompanha ou simplesmente mergulhar nos próprios pensamentos. Contudo, estamos atingindo níveis alarmantes de imobilidade urbana. E este não é um privilégio apenas das capitais ou grandes centros urbanos.

 

A tese de que o dia é formado por três grandes blocos com oito horas para dormir, oito para trabalhar e outras oito para o lazer está ultrapassada. Ela remonta à Revolução Industrial, quando um trabalhador do setor têxtil cumpria jornadas de 14 a 16 horas diárias. O inglês Robert Owen, tido como precursor do cooperativismo, inovou ao estabelecer uma jornada de 10,5 horas. No início do século passado, Henry Ford instituiu a linha de produção na montagem de seus veículos adotando turnos de oito horas.

 

Nos tempos atuais, dispendemos muito mais tempo trabalhando. Primeiro, porque a tecnologia mobile nos tornou profissionais em tempo integral, conectados permanentemente para atender às mais diversas demandas. Segundo, porque é necessário considerar o tempo de trajeto de casa para o trabalho e vice-versa. Se você gasta apenas duas horas por dia no trânsito, seja em seu veículo ou no transporte público, estará jogando no lixo, ao final de um ano, 19 dias inteiros apenas em deslocamento!

 

Assim, precisamos repensar a questão da mobilidade urbana. Inicialmente, com fortes investimentos em transporte público para desestimular o uso de automóveis. A demanda tem crescido muito nos últimos anos sem contrapartida na infraestrutura, o que justifica as panes nos sistemas sobre trilhos.

 

Também é necessária a construção de bolsões de estacionamento para que o automóvel seja utilizado apenas em pequenos trajetos.

 

O crescimento no número de motos, em virtude de seu menor custo e facilidade de crédito, demanda a construção de corredores nas principais vias, a fim de reduzir o número de acidentes. Lembre-se de que invariavelmente os motociclistas criam sua própria faixa, entre os veículos, o que explica o fato de que 40% das vítimas fatais e 74% das que sofrem invalidez permanente nos acidentes de trânsito, estavam em motos.

 

O trabalho SOHO (small office, home office), ou seja, o trabalho à distância, precisa ser gradualmente ampliado, aproveitando o uso de tecnologias e reduzindo a necessidade do trabalho presencial.

 

Aproveitando suas reflexões de final de ano, questione-se sobre o que você pode fazer para reduzir o tempo perdido gasto com deslocamentos no próximo ano.

 

Tom_Coelho